Pessoas superdotadas

Superdotados precisam de atenção para não se tornarem crianças-problema

Einstein teve uma infância difícil, não gostava da escola e entrou na lista dos repetentes. Outro gênio, o pintor holandês Van Gogh padeceu de desajustes psicológicos, assim como o matemático francês Pascal, que aos sete anos já fazia cálculos. Os exemplos são extremos, mas servem de alerta aos pais de crianças com talentos ou aproveitamento escolar excepcionais para sua idade e dificuldades de adaptação social. Essa combinação de sinais pode esconder a face de um superdotado, que requer atenção e eventual acompanhamento terapêutico para que a criança com inteligência acima da média de hoje não se torne um adulto com problemas amanhã.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 1%
da população escolar, ou 380 mil crianças, são superdotadas. Para identificar evidências de esperteza basta reparar nos talentos precoces. Em geral são dons específicos para a matemática, a música ou os idiomas estrangeiros. A criança aprende rápido a ler, exibe habilidade para determinado instrumento musical, ou expressão verbal mais elaborada do que a normal para sua faixa etária. É o garoto que chama a atenção pela capacidade de argumentação, pela memória excepcional, a atenção e a curiosidade incomuns, o raciocínio ágil e a extrema curiosidade.

"O apoio dos pais e dos médicos é decisivo para o aproveitamento do potencial dessas crianças", diz o psicoterapeuta Cláudio Guimarães, 41 anos, que trabalha com superdotados na Unidade de Reabilitação Neuropsicológica, em São Paulo. Em sua opinião, a maioria dos superinteligentes tem dificuldade para aliar competência nas disciplinas escolares com boa sociabilidade.

Nos testes de inteligência, os gênios precoces costumam estar anos à frente dos colegas de classe, diz Zélia Ramozzi Chiarottino, 46 anos, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ela aponta o adolescente Fábio Dias Moreira como exemplo. Aos 14 anos, ele conquistou 11 medalhas de ouro em olimpíadas de matemática, quatro delas em disputas internacionais. Aluno da segunda série do curso médio do Colégio PH, da Tijuca, zona norte do Rio, o filho temporão prefere estudar a ir a festas com colegas e não gosta de esportes. Sob nenhuma hipótese troca os livros de matemática por uma pelada com os colegas, mas ganhou a simpatia da turma, de quem tira todas as dúvidas de matemática.

Para o neuropsicólogo Daniel Fuentes, "o descaso com o superdotado é tanto que, por ignorância, ele pode ser visto como um ET pelos colegas e professores". Por ser diferente, ele nem sempre participa de grupos, questiona a orientação do colégio e dispensa a companhia dos amigos para estudar. O resultado, admite Fuentes, é a angústia e o isolamento. A maior parte dessas crianças necessita de apoio terapêutico para desenvolver com harmonia suas potencialidades. Em geral, as habilidades surgem nos primeiros anos de vida. Quem explica é Marsyl Mettrau, doutora em psicologia da educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que há 27 anos se dedica ao ensino de crianças com inteligência especial.

O excepcional desempenho escolar, o vocabulário rico e as conversas de "adulto" levaram Pedro Henrique de Souza Rendt, oito anos, a uma classe reservada a superdotados. Na segunda série, ele quer ser veterinário quando crescer e adora música clássica. "Prefiro as sinfonias de Beethoven a jogar com os amigos", confessa o garoto. A professora Marsyl exibe com orgulho a evolução de Bruna Reis, sete anos, uma pretendente a atriz. "Ela era introvertida e se tornou mais aberta e comunicativa, sem perder o interesse pelos estudos", destaca.

Se há consenso entre especialistas sobre a maneira de tratar os superdotados, há divergências em relação aos testes de inteligência. Um polêmico estudo publicado no final da década de 80 pelo cientista político James Flynn, da Nova Zelândia, revelou que o quociente de inteligência (QI) medido nos testes de avaliação aumentou 25 pontos em uma geração. A dúvida é se os jovens de hoje seriam mais inteligentes que seus pais ou se os métodos de avaliação da inteligência precisam ser repensados. Outra pá de cal foi lançada pelo americano Howard Gardner, para quem não existe inteligência absoluta. Gardner mapeou várias formas de inteligência, entre elas a musical, a espacial, a interpessoal, a lógico-matemática, a linguística e a esportiva.

Com QI de 172 pontos, o roqueiro Roger Rocha Moreira era o primeiro da classe no Colégio Pasteur, em São Paulo. "Fundador da banda Ultraje a Rigor, com um milhão de CDs vendidos, Roger é um dos associados da Mensa, a filial brasileira da organização com sede em Londres que congrega cérebros notáveis, entre eles o escritor Isaac Asimov. Para Roger, que compõe as músicas de um CD que pretende lançar em julho, o objetivo da Mensa é mostrar que ter inteligência acima da média não é como ser sorteado na loteria. "O superdotado não é valorizado aqui. Tom Jobim tinha razão quando dizia que no Brasil o sucesso é proibido porque gera hostilidade."

(Isto é)