Lei Paulo Delgado

A Lei 10.216, sancionada em 6 de abril de 2001, regula as internações psiquiátricas e promove mudanças no modelo assistencial aos pacientes portadores de sofrimento mental, destacando-se o processo de desospitalização, a ser implementado através da criação de serviços ambulatoriais, como os hospitais-dia ou hospitais-noite, os lares protegidos e os centros de atenção psico-social.

Seu objetivo é humanizar o tratamento, de modo que a internação seja o último recurso – e ainda assim, cercado dos devidos cuidados e do absoluto respeito à cidadania do paciente. Há a preocupação de se evitar as internações prolongadas e em reduzir as compulsórias. A proposta é privilegiar o convívio do paciente com a família. Neste novo modelo, a sociedade é chamada a assumir sua responsabilidade com os portadores de transtornos mentais, o que certamente implica a conscientização de que o regime aberto não oferece risco para ninguém, que o doente mental não é um incapaz e de que a inserção social é mais eficaz para a sua recuperação. A reforma psiquiátrica elegeu os agentes fundamentais neste processo: os médicos e a família, que passam a ser peças fundamentais.

Um dos grandes méritos da Lei é a explícita definição dos direitos das pessoas com transtornos mentais:

  • proíbe a internação em instituições com características asilares (hospícios e manicômios, por exemplo);
  • determina a necessidade de autorização médica para internação;
  • exige a notificação compulsória do Ministério Público, no prazo de 72 horas, em caso de internamento contra a vontade expressa do paciente;
  • diagnóstico e terapia passam a depender de autorização do paciente ou de seu responsável legal.
 
 
 
 

LEI Nº 10.216, DE 06 DE ABRIL DE 2001

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras

de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial

em saúde mental. Antigo Projeto de Lei Paulo Delgado.

 
 
 
O Presidente da República. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
 
Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são
assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual,
religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade
ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
 
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis
serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
 
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde,
visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de
sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
 
Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a
promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da
sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas
as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos
mentais.
 
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extrahospitalares
se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu
meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência
integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência
social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com
características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não
assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.
 
Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência
institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de
política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da
autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo,
assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
 
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que
caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de
terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
 
Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento
da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente
ou por determinação do médico assistente.
 
Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado
no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.
§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser
comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual
tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou
responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
 
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente,
que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do
paciente, dos demais internados e funcionários.
 
Art. 10º Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela
direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente,
bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da
ocorrência.
 
Art. 11º Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o
consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação
aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.
 
Art. 12º O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar
a implementação desta Lei.
Art. 13º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180o da Independência e 113o da República.
 
 

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Gregori

José Serra

Roberto Brant