CENTRO HOSPITALAR PSIQUIÁTRICO DE BARBACENA (CHPB), PRESERVADO ATRAVÉS DO MUSEU DA LOUCURA.

 
Instalado em um pequeno edifício de dois andares, o museu resgata os sofrimentos que lá aconteceram, registrados em peças que agora são relíquias dos velhos tempos, como aparelhos de eletrochoque e lobotomia, grades, fotos de multidões de internos nus e imundos, além de alguns documentos.

Erguido como um memorial a todos os que viveram o inferno do hospital-colônia, o Museu da Loucura não permite que o passado seja esquecido.

Comparado aos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, estima-se que 60 mil mortes aconteceram ao longo da história do manicômio.

Criado em 1903 para ser um dos primeiros hospícios do Brasil, dentro do modelo vigente na época de hospital-colônia para doentes mentais, seus muros testemunharam um massacre, no sentido mais preciso do termo.

Barbacena: um recorte do caso

Barbacena situa-se na Serra da Mantiqueira, a 169 km da capital mineira e conta hoje cerca de 124.600 habitantes.

Esse município de clima ameno de montanha, com temperaturas médias baixas para os padrões brasileiros, recebeu a alcunha de “Cidade dos Loucos” durante longos anos. Esse título foi recebido em função dos sete hospitais psiquiátricos que abrigou. A justificativa técnica para a instalação de tantos manicômios no mesmo território deve-se à antiga crença, defendida por alguns médicos da época, de que o clima de montanha era salutar para os que carregavam doenças nervosas. Nesse clima, os loucos ficariam menos arredios e, supostamente, facilitariam o tratamento.

Outra versão conta que, ao perder a disputa política para Belo Horizonte de sediar a capital mineira, ganha, como “prêmio de consolação” os tantos hospitais psiquiátricos, dos quais ainda restam três na cidade.

O maior desses hospitais, hoje administrado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), começou a funcionar em 1903, numa imensa área rural (cerca de oito milhões de m2), nas terras da Fazenda da Caveira, que pertencera a Joaquim Silvério dos Reis – o delator da Inconfidência Mineira. As instalações desse hospital abrigaram anteriormente uma clínica de repouso e clínica para os nervos e, posteriormente, um Sanatório para Tuberculosos. Era uma instituição para ricos. Com a falência do sanatório, o prédio foi ocupado por um hospital psiquiátrico, em que os pacientes se dividiam em pagantes e indigentes. A conhecida “laborterapia” era usada na época como parte do tratamento da loucura, na crença de que era necessário evitar a ociosidade, a qual era perniciosa ao espírito do louco. Por meio do trabalho, retirava-se o louco de sua condição de criatura inútil, possibilitando a canalização da sua agressividade e, conseqüentemente, a cura. Dessa forma, os pacientes pobres e considerados indigentes eram forçados a trabalhos monótonos e repetitivos, sem remuneração, e faziam trabalhos pesados na lavoura, na área do hospital, e na confecção de tijolos, bonecos, tapetes e outros produtos que eram vendidos ou consumidos internamente.

Em seu auge o hospital chegou a abrigar cerca de 5.000 moradores, os quais chegavam de todos os cantos do Brasil, apinhados em um trem que parava na frente dos pavilhões. Esse sinistro e terrível veículo ficou conhecido como “Trem de Doido”.

Do hospital, a maioria das pessoas não saía nunca mais. Muitos chegavam crianças e nunca mais viam suas famílias. Para lá, eram enviados meninos considerados pelos pais e professores como desobedientes; moças que, para a desgraça familiar, tinham perdido a virgindade ou que engravidavam sem estarem casadas; presos políticos e toda a sorte de “indesejáveis” na sociedade, dentre os quais também os sifilíticos e os tuberculosos.

Os internos viviam no hospital em estado de absoluto abandono. Perambulavam pelos pavilhões nus e descalços e eram forçados a comer comida crua, servida em cochos e sem talheres.

Para acomodar tanta gente nas instalações do hospital, as camas eram retiradas e feno era espalhado pelo chão. Tal estratégia chegou até mesmo a ser recomendada como medida em outros hospitais psiquiátricos da região. As pessoas dormiam todas juntas, amontoadas no piso do quarto sobre o feno. Conviviam com ratos, que lhes mordiam, com suas próprias fezes e urina e morriam às dezenas de diarréia, desnutrição, desidratação e de tantas outras doenças oportunistas. Estima-se que cerca de 60 mil pessoas morreram nesse hospital. Eram 60 óbitos por semana, 700 por ano.

Vários ex-internos se referem a um chá que era freqüentemente servido por volta da meia-noite e “estranhamente”, no dia seguinte, muitos amanheciam mortos e eram empilhados nos corredores e pátios do hospital.

Uma das histórias mais pavorosas conta que era prática corrente no hospital o método de “desencarnar” os mortos, o que consistia em colocá-los em tonéis com ácido para tirar-lhes a carne e vender os esqueletos às faculdades de medicina. Muitos internos participavam dessa função, “desencarnando” seus colegas mortos e muitas faculdades de medicina, em todo o Brasil, compravam os cadáveres de Barbacena para abastecer seus laboratórios de anatomia.

Os mais rebeldes ou aqueles que cometiam algum ato considerado pelos funcionários como insubmissão eram mantidos presos em celas gradeadas, algemados pelos pés e mãos, contidos por várias técnicas e métodos diferentes. Passavam por sessões de eletrochoque, das quais saiam mortos ou com dentes e ossos quebrados.

O hospital possuía um centro cirúrgico no qual eram realizadas as psicocirurgias, como a lobotomia, mais apropriadamente chamada de leucotomia. Esse procedimento leva a um estado de sedação, com baixa reatividade emocional dos pacientes, considerado como eficaz para a melhoria dos sintomas externos da doença psiquiátrica.

Em 1979, o conhecido psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou o Hospital Colônia de Barbacena e o comparou aos campos de concentração nazistas de Adolf Hitler.

 

“Vi-os nus, cobertos de trapos, tendo apenas
um pouco de palha para abrigarem-se da fria
umidade do chão sobre o qual se estendiam.
Vi-os mal alimentados, sem ar para respirar,
sem água para matar a sede e sem as coisas mais 
necessárias à vida. Vi-os entregues a 
verdadeiros carcereiros, infectados, sem ar, sem luz, 
fechados em antros onde se hesitaria em fechar 
os animais ferozes, e que o luxo dos governos 
mantém com grandes despesas nas capitais”.

 

(Esquirol – "Des établissements consacrés aux aliénés en France". 1818).

Psiquiatra francês, Jean-Étienne Esquirol foi discípulo de Phillippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria. Nesse pequeno trecho, Esquirol descreve um estabelecimento destinado aos alienados na França, em 1818.

A mudança de paradigma de atenção aos portadores de transtornos mentais

Barbacena guarda todas essas histórias em sua memória e, mais especificamente, no Museu da Loucura, inaugurado em 1996.

O exemplo de Barbacena é tão notável tanto por essa história que nos remete ao modelo clássico dos manicômios da Idade Média (tal como o Bethlem Royal Hospital of London, o hospital psiquiátrico mais antigo do mundo - data de 1247 - o qual ficou conhecido pela forma brutal como tratava os pacientes), quanto pela superação desse paradigma, nos ares da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

As denúncias contra o tratamento desumano no interior dos manicômios, que se iniciam no final da década de 70 e tomam força nos anos 80 e 90, citam os hospitais de Barbacena e começam a mobilizar a sociedade. Na crença de que o paciente com transtorno mental pode e deve ser tratado sem ser retirado do seu meio familiar e social e sem ficar trancafiado, sem liberdade, no hospital psiquiátrico é que se sustenta toda a revolução na atenção à saúde mental.

Em Barbacena, esse desafio é aceito e os hospitais psiquiátricos vão sofrendo intervenções do Ministério da Saúde, fechando suas portas e sendo descredenciados do Sistema Único de Saúde. Como contrapartida, são organizadas as chamadas Residências Terapêuticas as quais recebem os egressos dessas longas internações psiquiátricas e a assistência é oferecida nos Centros de Atenção Psicossocial.

Barbacena, nesse sentido, pode ser tomada como um emblema da Reforma Psiquiátrica no Brasil. O município conta hoje com 24 residências terapêuticas e mais de 150 moradores, todos eles egressos de internações psiquiátricas que duraram o tempo de toda uma vida – 30, 40 e até 60 anos de exclusão social e maus tratos.

Visita virtual do Museu da Loucura

Visita técnica ao Museu da Loucura

 

 

 

O Museu da Loucura foi inaugurado em 16 de agosto de 1996, através de uma parceria entre a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e a 

Fundação Municipal de Cultura de Barbacena (Fundac).

Faz parte do projeto “Memória Viva” e resgata a história da cidade, mantendo em seus locais originais o Núcleo Histórico. Está instalado no torreão do hospital construído em 1922.

É uma importante construção arquitetônica considerada símbolo do 

Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB), fato que motivou a escolha do local para abrigar o museu.

Tem como objetivo principal resgatar a história do primeiro hospital psiquiátrico de Minas Gerais, o lendário Hospital Colônia de Barbacena. Oferece um espaço para discussão e reflexão acerca das atuais diretrizes no campo da saúde mental. O acervo do museu é composto por textos, fotografias, documentos, equipamentos, objetos e instrumentação cirúrgica que relatam a história do tratamento ao portador de sofrimento mental.

No espaço existe também, a galeria de arte que oferece oportunidades para exposições de artistas da região e divulgação da grife “Pirô Crio”, composta por trabalhos manuais e de artesanato feito pelos usuários do hospital.

O Museu da Loucura serve de elo entre a instituição e a sociedade, e tem a expectativa de proporcionar a quebra do estigma contra o portador de sofrimento mental, despertando reflexões sobre as fronteiras entre a loucura e a razão.

 

Um breve histórico