Internação involuntária por usuários de drogas não é garantia de cura.

 
Kelly Nilo
Diretora do Cersam AD Barreiro, Kelly Nilo: “É preciso uma
reintegração com a sociedade para que o tratamento seja efetivo”
(Foto: JEditorial)
 
 
Para tornar a questão ainda mais polêmica, o projeto de lei 7663/10 que determina a internação compulsória (sem o consentimento do usuário e que é rechaçada pelos órgãos da saúde) está para ser aprovada.
A gerente do Centro de Referência em Saúde Mental – Álcool e Drogas (Cersam-AD) Barreiro, Kelly Nilo, explica que Belo Horizonte tem seguido uma linha mais direcionada ao auxílio de forma completa, visando a redução de danos. “A internação é geralmente uma questão temporária. É preciso uma reintegração com a sociedade para que o tratamento seja efetivo. Cerca de 90% dos usuários nos procuram de maneira espontânea, seja trazido pela família ou vindo por si mesmos”.
Ela informa que o primeiro contato é feito pelos profissionais dos Consultórios de Rua que vão as cenas de uso e oferecem cuidados de saúde e de assistência. “Às vezes o paciente não se dispõe a parar de fazer ou diminuir o uso da droga, mas ele se propõe a iniciar um cuidado com a saúde. Dessa forma vai-se criando um vínculo com os usuários até que se chegue ao momento em que eles sintam a demanda de mudar, sendo encaminhados para os Cersams-AD de referência. Atualmente são 3 Cersams especializados em álcool e drogas”.
Das três unidades, uma fica disponível 24 horas por dia e as outras 12 horas. Todas funcionam de segunda a segunda, inclusive feriados.
 
Internação 
 
 
Paulo Cesar
Paulo César Pereira: “Existe uma grande pressão midiática
para que esse tipo de mecanismo seja utilizado”
 
 
O membro da Coordenação Colegiada do SUS/BH – Saúde Mental Paulo César Machado Pereira relata que a internação compulsória e involuntária já é regulada pela lei 10.216/2001 (Lei Paulo Delgado) e ela regulariza internações em uma situação de exceção e última alternativa a ser tomada. “O que nós vemos é que a ideia de internação compulsória ou involuntária seja a primeira medida a ser buscada para lidar com os usuários. O juiz é quem determina uma internação dessas, e mesmo assim, a gente busca uma intermediação com o próprio usuário e com a sua família, para que isso não aconteça exatamente desse jeito. Mas é possível que, num geral, dados referentes a essas internações tenham aumentado por que existe uma grande pressão midiática para que esse tipo de mecanismo seja utilizado”.
“Muitos dados têm demonstrado que os casos involuntários são os que mais dão errado. Mais de 90% dos usuários que são internados involuntariamente, logo na primeira semana têm recaídas para o uso de drogas ”, afirma Pereira.
Nilo comenta que Belo Horizonte está tentando seguir a linha de um tratamento voluntário. “A lei 10.216 está sendo mal interpretada no que diz respeito a regulamentar a internação compulsória ou involuntária. Ela trata das exceções, quando tudo já foi tentado e não deu certo. Nesses casos se encaixam, principalmente, os usuários portadores de sofrimento mental grave. Porque tem se criado um mito de que a pessoa usuária de drogas não responde por si própria, que ela não sabe o que está fazendo, mas ela sabe sim”, enfatiza.
“A internação pode ser compulsória ou involuntária, mas o tratamento não”, diz o membro da coordenação. Pereira pontua também que apesar de todos os serviços disponíveis, o crack não é o maior problema. “O principal agravante é o alcoolismo, essa é a maior dificuldade encontrada na saúde pública. Apesar do crack ter mais visibilidade midiática”, revela.
 
Cura
A diretora do Cersam-AD, relata que é preciso ampliar o conceito de cura, que é muito limitado no caso desses usuários. “Nós tendemos a associar a cura com abstinência, o que não é verdade. Às vezes a pessoa não está em abstinência, mas teve uma recuperação em termos de qualidade de vida, convívio social, trabalho, saúde e familiar muito significativa. No Cersam Barreiro, que está em funcionamento há cerca de 2 anos, posso te garantir que das 205 pessoas que estão em tratamento, todas reduziram consideravelmente o uso da substância”.
 
Luta diária
A diretora da Associação Comunitária Social e Beneficente Ebenézer (Ascobe), Gleicy Jaqueline de Freitas, explica que a decisão de não usar mais a droga é diária. “Recebi um rapaz enviado para cumprir medida socioeducativa, porque ele havia sido pego com droga. Conversei muito com ele, como sempre faço, perguntei sobre qual seria o futuro da filha pequena e de sua esposa. Foi uma conversa produtiva. A partir daí, ele foi conhecer nosso espaço e ficou apaixonado com o sítio e com os nossos cuidados, um tratamento família, em que a ajuda é mútua. O trabalho foi um sucesso. Ele se recuperou, reconquistou toda a família, reabriu sua empresa. Todo mês ele vem à clinica jogar futebol, almoçar e incentivar os usuários que estão começando o tratamento. Ele tem acompanhamento semanal e frequenta lugares que não oferecem riscos para uma recaída. Assim como esse caso, existem outros, mas infelizmente muitos também retrocedem”, finaliza.
 
Fonte: www.jornaledicaodobrasil.com.br/site/tag/involuntaria/