Sequelas não acabam com o tempo. Amenizam.

 
Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim. Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro. Ainda hoje, anos depois, a espera é por demais agonizante. Horas, minutos, segundos são eternidades martirizantes. Não começam hoje, adormeceram, a muito custo...

Comigo. Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original. É ser condenado à morte várias vezes. Quem disse que só se morre uma vez?

Sentidos se misturam, batidas cardíacas invadem a audição. Aspirada a respiração não é... é introchada.
Os nervos já não tremem... Dão solavancos. A espera está acabando. Ouço barulho de rodinhas. A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na abertura da portas rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado, tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado...

Escuto parte do meu gemido. Quem disse que só se morre uma vez?                                                         

.                                                                                       Austregésilo Carrano.
 
capa do livro Canto dos Malditos 1ª edição em espiral
 
Austregésilo Carrano Bueno (Curitiba, 1957 — São Paulo, 27 de maio de 2008) foi um escritor brasileiro, integrante do Movimento da Luta Antimanicomial. Autor do livro Canto dos Malditos onde conta sua experiência nos hospitais psiquiátricos e denuncia os absurdos cometidos diariamente nessas instituições. Foi o livro em que se baseou o premiado filme Bicho de Sete Cabeças.