Luta Antimanicomial em Belo Horizonte

A humanidade convive com a loucura há séculos e, antes de se tornar um tema essencialmente médico, o louco habitou o imaginário popular de diversas formas. De motivo de chacota e escárnio a possuído pelo demônio, até marginalizado por não se enquadrar nos preceitos morais vigentes, o louco é um enigma que ameaça os saberes constituídos sobre o homem.

Na Renascença, a segregação dos loucos se dava pelo seu banimento dos muros das cidades europeias e o seu confinamento era um confinamento errante: eram condenados a andar de cidade em cidade ou colocados em navios que, na inquietude do mar, vagavam sem destino, chegando, ocasionalmente, a algum porto.

No entanto, desde a Idade Média, os loucos são confinados em grandes asilos e hospitais destinados a toda sorte de indesejáveis – inválidos portadores de doenças venéreas, mendigos e libertinos. Nessas instituições, os mais violentos eram acorrentados; a alguns era permitido sair para mendigar.

 

No século XVIII, Phillippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria, propõe uma nova forma de tratamento aos loucos, libertando-os das correntes e transferindo-os aos manicômios, destinados somente aos doentes mentais. Várias experiências e tratamentos são desenvolvidos e difundidos pela Europa.

O tratamento nos manicômios, defendido por Pinel, baseia-se principalmente na reeducação dos alienados, no respeito às normas e no desencorajamento das condutas inconvenientes. Para Pinel, a função disciplinadora do médico e do manicômio deve ser exercida com firmeza, porém com gentileza. Isso denota o caráter essencialmente moral com o qual a loucura passa a ser revestida.

No entanto, com o passar do tempo, o tratamento moral de Pinel vai se modificando e esvazia-se das ideias originais do método. Permanecem as ideias corretivas do comportamento e dos hábitos dos doentes, porém como recursos de imposição da ordem e da disciplina institucional. No século XIX, o tratamento ao doente mental incluía medidas físicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias.

Aos poucos, com o avanço das teorias organicistas, o que era considerado como doença moral passa a ser compreendida também como uma doença orgânica. No entanto, as técnicas de tratamento empregadas pelos organicistas eram as mesmas empregadas pelos adeptos do tratamento moral, o que significa que, mesmo com uma outra compreensão sobre a loucura, decorrente de descobertas experimentais da neurofisiologia e da neuroanatomia, a submissão do louco permanece e adentra o século XX.

A partir da segunda metade do século XX, impulsionada principalmente por Franco Basaglia, psiquiatra italiano, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber, do tratamento e das instituições psiquiátricas. Esse movimento inicia-se na Itália, mas tem repercussões em todo o mundo e muito particularmente no Brasil.

Nesse sentido é que se inicia o movimento da Luta Antimanicomial que nasce profundamente marcado pela ideia de defesa dos direitos humanos e de resgate da cidadania dos que carregam transtornos mentais.

Aliado a essa luta, nasce o movimento da Reforma Psiquiátrica que, mais do que denunciar os manicômios como instituições de violências, propõe a construção de uma rede de serviços e estratégias territoriais e comunitárias, profundamente solidárias, inclusivas e libertárias.

No Brasil, tal movimento inicia-se no final da década de 70 com a mobilização dos profissionais da saúde mental e dos familiares de pacientes com transtornos mentais. Esse movimento se inscreve no contexto de redemocratização do país e na mobilização político-social que ocorre na época.

Importantes acontecimentos como a intervenção e o fechamento da Clínica Anchieta, em Santos/SP, e a revisão legislativa proposta pelo então Deputado Paulo Delgadopor meio do projeto de lei nº 3.657, ambos ocorridos em 1989, impulsionam a Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Em 1990, o Brasil torna-se signatário da Declaração de Caracas a qual propõe a reestruturação da assistência psiquiátrica, e, em 2001, é aprovada a Lei Federal 10.216 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Dessa lei origina-se a Política de Saúde Mental a qual, basicamente, visa garantir o cuidado ao paciente com transtorno mental em serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, superando assim a lógica das internações de longa permanência que tratam o paciente isolando-o do convívio com a família e com a sociedade como um todo.

A Política de Saúde Mental no Brasil promove a redução programada de leitos psiquiátricos de longa permanência, incentivando que as internações psiquiátricas, quando necessárias, se dêem no âmbito dos hospitais gerais e que sejam de curta duração. Além disso, essa política visa à constituição de uma rede de dispositivos diferenciados que permitam a atenção ao portador de sofrimento mental no seu território, a desinstitucionalização de pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos e, ainda, ações que permitam a reabilitação psicossocial por meio da inserção pelo trabalho, da cultura e do lazer.

A mostra fotográfica que aqui se apresenta traz a força documental das imagens, que, para além das palavras, prova que a mudança do modelo de atenção aos portadores de transtornos mentais não apenas é possível e viável, como, de fato, é real e acontece.

Em parceria, a Coordenação Nacional de Saúde Mental e o Programa de Humanização no SUS, ambos do Ministério da Saúde, registraram o cotidiano de 24 casas localizadas em Barbacena/MG, nas quais residem pessoas egressas de longas internações psiquiátricas e que, por suas histórias e trajetórias de abandono nos manicômios, mais parecem personagens do impossível.

Antes, destituídos da própria identidade, privados de seus direitos mais básicos de liberdade e sem a chance de possuir qualquer objeto pessoal (os poucos que possuíam tinham que ser carregados junto ao próprio corpo), esses sobreviventes agora vivem. São personagens da cidade: transeuntes no cenário urbano, vizinhos, trabalhadores e também turistas, estudantes e artistas. Compuseram e compõem novas histórias no mundo.

“SE NÃO NOS DEIXAM SONHAR, NÃO OS DEIXAREMOS DORMIR”

Mais de 3 mil pessoas participam da manifestação político-cultural no Dia Nacional da Luta Antimanicomial na capital.

Veja mais em:www.antimanicomialbh.blogspot.com.br/

O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) destaca que 

a política de saúde e a política de enfrentamento ao uso de álcool, crack e outras drogas

 precisa estar pautada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) público e universal, 

tão bem referendado pelas Conferências Nacionais de Saúde e de Saúde Mental. 

Os/as assistentes sociais reafirmam seu posicionamento: 

em favor da ampliação do debate sobre os usos de drogas na realidade brasileira, 

na sua relação com a questão social,

pela plena efetivação da reforma psiquiátrica e dos mecanismos de atenção aos/às usuários/as dos serviços de saúde mental, 

álcool e outras drogas, articulado com o controle social e movimentos sociais; 

contrário à internação e ao abrigamento involuntário e compulsório, 

reforçando a luta dos movimentos sociais em defesa dos direitos humanos;

 contra todas as formas de privatização da política de saúde mental.

Qual é a gênese do internamento e da exclusão? 

 
 
No final da Idade Média, a loucura era vista como o castigo ou uma forma de redenção. A figura do 
louco era a de objeto poético. Na literatura e na poesia vigorava a visão trágica da loucura, a 
mesma percepção/condição do homem no mundo. 
 
Na linguagem escrita, a descrição de uma embarcação que vagava rio abaixo por diferentes 
cidades, traz a imagem literária da “Nau dos Insensatos” no período renascentista. Mais que uma 
metáfora, essa foi uma realidade vivida num tempo em que ainda era possível o diálogo com a 
loucura. 
 
Em algumas construções pictóricas da época percebe-se a loucura em toda sua vivacidade antes de 
ser capturada pelo conhecimento. 
 
A partir do final do século XV na Europa, o fim do campesinato como classe, o advento da 
manufatura e o conseqüente declínio dos ofícios artesanais, trouxe aos trabalhadores do campo e 
artesãos enormes dificuldades. As cidades se enchiam de desocupados, mendigos e vagabundos, 
quando se experimentava também a falta de mão de obra. 
 
A repressão à mendicância, à vagabundagem e à ociosidade levou ao internamento sumário em 
casas de correção ou similares, por ordem do rei ou do juiz. Esta era uma prática corriqueira para 
os desviantes sociais: os desempregados, doentes venéreos, blasfemos, prostitutas, devassos, 
ociosos, baderneiros e os loucos. 
 
É esse o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade 
para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no contexto dos problemas da cidade. 
 
Ao mostrar o espaço de confinamento na geometria imaginária de sua moral, a Idade Clássica 
encontra uma prática e um lugar para a redenção dos pecados da carne e faltas cometidas contra a 
razão, o confinamento. 
 
Na Idade Clássica (1650 a 1800), houve a desmistificação da loucura, ela adquire o significado 
social e moral: punição e controle. É o momento em que a loucura vai ser excluída da ordem da 
razão. 
 
Foi por meio desse gesto que algo dentro do homem foi posto fora de si e empurrado sobre a borda 
do nosso horizonte. 
 
A Idade Clássica inventou o confinamento na forma como a Idade Média havia inventado a 
segregação dos leprosos. 
 
A percepção social do internamento é a solução dos problemas econômicos e sociais, produzindo a 
segregação que produziu os alienados- aqueles que não têm capacidade de decidir nada na 
sociedade. O internamento dos alienados é a estrutura mais visível na experiência clássica da 
loucura. 
 
Na Modernidade (séculos XIX- XX), a loucura passa a ser objeto de análise e começa a entrar para 
a esfera da Medicina e da Ciência como objeto de estudo e pesquisa. É o nascimento do hospital 
psiquiátrico. 
 
Os significados mudaram, mas as práticas continuaram as mesmas: internamento e exclusão. 
Mesmo com as diferentes representações da loucura nesses diferentes períodos, uma instância não 
muda, que são as práticas relacionadas à loucura. 
 
Foucault nos convida a refletir sobre a história e nos provoca a um mergulho nos arquivos 
empoeirados da dor e pela ousadia de seu pensamento, permite-nos a coragem para abrirmos tais 
gavetas e inventar, a partir das mesmas, novos modos de viver a loucura e convida-nos a buscar 
formas e tons poéticos ainda inexplorados. 
No processo de elaboração do tema para a manifestação político-cultural de 2011, nos arriscamos 
ao enveredar por esse caminho, tão instigante quanto difícil, sem o tempo e a erudição suficientes 
para um mergulho mais profundo na obra cinquentenári de Foucault. 
 
Coletivizamos então vivências, percepções e pensamentos. Quem sabia mais compartilhou o 
conhecimento, quem sabia pouco pesquisou mais e quem nada conhecia desta história, hoje sabe 
um tanto bom. E desse modo, em terreno propício à reflexão, foi possível chegar às formulações 
/construções do tema eixo desse ano: “A História da Loucura na Idade Clássica”. 
 
Fórum Mineiro de Saúde Mental